se o problema fosse só o celular nós estávamos no lucro
"fiquei 1 mês sem redes sociais" mas aí voltou e fez um post sobre isso em... uma rede social
sinto que o conceito de rede social anda meio deturpado na cabeça das pessoas, então vai lá: qualquer rede que tenha o mínimo de interação com outra pessoa, é uma rede social. um likezinho que você dá já é considerando uma interação social.
acho que muita gente acredita que rede social é aquela que você consegue acompanhar o outro quase 24/7 e tem mensagens diretas, mas não.
exemplo: pegaremos o letterboxd. apesar dele parecer nada atrativo (convenhamos que a estética e usabilidade dele deixam a desejar), ele te permite seguir outras contas e interagir por meio de likes e comentando resenhas alheias. então: é uma rede social.
dito isso, e antes de eu começar o textão, deixo aqui o que encontrei navegando por aí:
o desafio do vício moderno
os vícios modernos são muito suaves. eles entram na sua vida como se sempre tivessem estado lá. rolar infinitamente a tela ou fazer uma aposta rápida em um aplicativo não exigem atenção. não fazem de você um "tipo" de pessoa. esses hábitos são invisíveis, não deixam momentos em que você é forçado a dizer: "isso é um problema."
os velhos vícios como fumar e beber te interrompiam. fumar significava sair para fora, ser o fumante, aquele com o cheiro grudado no casaco. beber demais significava faltar ao trabalho, esquecer detalhes, ser inconstante. eles faziam você encarar o que estava fazendo porque não podiam se misturar. os vícios modernos não funcionam assim. eles se encaixam — em casa, no trabalho, no seu tempo livre. eles não destroem sua vida de uma vez; eles só a esvaziam lentamente.
é que no meu tempo…
eu nasci na época certa, nem muito cedo e nem muito tarde. pude usar o MSN e o Orkut, e acompanhei a chegada dos celulares com teclados e então celulares touch-screen; e aí celulares com internet.
é estranho lembrar do tempo que para falar com meus amigos fora do colégio eu precisava ligar o computador e abrir, no mínimo, três aplicativos diferentes: um para trocar mensagens, outro para chamadas de vídeo (#sddsskype) e um para acompanhar o feed da rede social do momento: podia ser o orkut, facebook ou twitter.
hoje em dia, eu consigo fazer tudo isso em uma só. e da minha cama. em uma telinha que cabe na minha mão.
para baixar músicas, eu usava o 4shared ou Ares – pra esse tinha que ter todo um jogo de cintura para conseguir baixar o arquivo certo e não um que viesse com “DJ juninho portugal” no início e que, no fim, nem era a música que eu queria de verdade.
nunca me esqueço quando baixei um arquivo achando que era a música "i need you now" do lady antebellum e na verdade era a música "saia e bicicletinha" da banda djavú.
mais engraçado ainda é que eu não consigo pontuar quando a internet deixou de ser só uma ferramenta e se tornou um refúgio barato pelo que entrega — porque eu tenho consciência que um celular não é barato, assim como um tablet e/ou notebook, mas ele se torna barato.
por alguns reais desembolsados mensalmente, podemos ter acesso a um acervo considerável de filmes através de serviços de streaming, e acervos de músicas em aplicativos como spotify, deezer e apple music.
e se você não for assim tão correto, consegue pagar menos e ter um aparelhinho que te entrega todos os canais do mundo e as novidades do cinema. eu amo a tecnologia.
e a dona maria e o seu zé? será que eles também são viciados digitais?
só que um ponto a ser questionado é: que tipo de gente usa mais a internet?
de acordo informações da agência brasil:
as classes C e D/E impulsionaram crescimento da conectividade nos domicílios brasileiros, passando de 56% para 91% e de 16% para 67%, respectivamente, entre os anos de 2015 e 2023. as classes A e B passaram de 99% para 98% e de 88% para 98%, respectivamente.
no entanto, na mesma matéria é dito que a velocidade piora quanto mais baixa é a classe (o que faz sentido), e estas também são as que mais compartilham a rede com seus vizinhos.
o horário de uso varia muito do tema, mas em geral o pico é ali no fim da tarde até à noite, perto do horário em que a maioria dos brasileiros estão saindo do trabalho e indo para casa.
de acordo com esse texto de 2022, uma pesquisa feita pela NordVPN mostrou que o Brasil é o terceiro país mais on-line, ficando conectado desde a hora que acorda até a hora que vai dormir. ficamos atrás do lar dos nossos primos asiáticos, as filipinas, e a colômbia.
e apesar de sempre falarmos sobre os malefícios psicológicos (que acabam atingindo fisicamente também), esquecemos de outra coisa importante para ficar atento: os rastros digitais.
eu não sou o melhor exemplo: não leio os termos de uso e devo ter uma conta em quase todos os websites mais conhecidos – e olhem que eu já trabalhei por um tempo em setor de tecnologia justamente cobrando segurança LGPD dos funcionários. sou meio hipócrita, como descobriu?
enchurrada de dopamina
mas voltando: receber toneladas de estímulos na palma da mão se tornou quase tão importante quanto respirar.
na hora de comprar um novo aparelho, prestamos atenção na velocidade de resposta da tela e constantemente nos vemos necessitados de aumentar a banda de internet. tudo precisa ser rápido. 1 minuto esperando algum site carregar já é tempo demais e já sobe aquela raiva.
toda essa relação (tóxica) entre seres humanos e mundo virtual é danosa à curto e longo prazo. todos os dias nos deparamos com notícias com especialistas informando como o uso exagerado da internet impacta negativamente as pessoas, principalmente jovens e crianças.
hoje em dia os pais compram tablets para seus filhos e, para que as crianças não os incomodem, deixam a criança alienadinha com os olhos vidrados em algum desenho super colorido e duvidoso. o que esses adultos (irresponsáveis, se me permitem) falham em perceber é que a maioria desses desenhos deixa a criança muito mais hiperativa. as cores e a velocidade das ações vão moldando uma mente acelerada.
no meu tempo (oh deus, me tornei esse tipo de pessoa) eu assistia desenhos calmos: thomas e seus amigos, backyardigans, caillou… sem contar o nervoso assistindo dango balango na TV Cultura e um desenho chamado “historinha de dragões”. meu cérebro não recebia milhões de estímulos ao mesmo tempo – e eu não ficava vidrada na frente da TV toda hora.
só que as crianças não são as únicas vítimas: os adultos, até mesmo idosos, estão indo pelo mesmo caminho.
meu avô de quase setenta anos é um viciado digital, adora fazer comentários em noção no facebook e ver vídeos mais sem noção ainda com o volume lá em cima. a sorte mesmo é que ninguém apresentou o tiktok.
o que começou com um “vamos dar um celular para os idosos por segurança, para podemos ter um contato quando eles saem de casa” se tornou um perigo: idosos são os que mais caem em golpes (o que tá cheio por aí) e fake news.
mas na questão de ficar sempre online se entretendo: eu não posso culpar as pessoas (é nessa hora que eu aponto o dedo na fuça do capitalismo).
se eu tivesse mais dinheiro, ficaria menos online?
quero dizer: a meia entrada no cinema da minha cidade para ver Nosferatu (2024) estava R$26,00.
somando com as passagens (transporte público valendo R$ 6,90 no dinheiro) e comes e bebes, uma simples ida ao cinema se torna bem menos viável considerando que eu posso ter o filme em algum canal de streaming daqui uns dias – ou para alugar por um valor ok (ou de forma gratuita, não vou me fazer de politicamente correta quando não sou).
em muitos lugares, uma ida ao cinema também significa uma ida ao shopping — então talvez você até sinta vontade de passar naquela loja para ver a nova coleção de roupas ou ir em alguma perfumaria, por exemplo. tudo que faz a mão coçar para passar o cartão numa compra desnecessária.
e também, tudo é muito distante e tem muito trânsito, o que acaba fazendo a pessoa questionar se compensa todo o estresse para ter um momento de paz (é até irônico). quem mora no interior e não tem muita coisa pra fazer, a situação se torna ainda mais propensa para o vício digital.
tá na moda ser do contra
o que tenho visto em toda e qualquer rede social são publicações do tipo: não aguento mais meu celular, não aguento mais as redes sociais, fiquei X dias sem redes sociais e vim (em uma rede social) falar sobre a experiência, e etc. e etc.
e a verdade é que o problema não são só as redes sociais, mas o que nós permitimos que elas se tornem.
o problema tá muito mais no que nós fazemos dela, do que a rede em si. você pode achar que não, mas o seu algoritmo te conhece mais do que você mesmo — se certas coisas chegam para você, sinto informar que a culpa é totalmente sua.
e também, nós nos permitimos encarar o mundo virtual como se fosse o mundo real. muitas das discussões que existem dentro de uma tela somem se você sair da frente dela. pode acreditar, é simples assim.
apesar de estar aparecendo que vim aqui em defesa dos aplicativos e redes sociais, na verdade só quero falar que: se sua experiência no mundo virtual está uma merda, talvez você deva mudar seus hábitos.
eu trabalho com rede sociais, então meu dever é fazer com que você preste atenção, e vocês talvez não acreditem, mas a estratégia por trás dos posts não é difícil mas nem tanto, basta um gancho certo, um bom horário para postagem e, um carrossel bem organizado (por exemplo) que o sorvetinho está pronto
e naturalmente o ser humano é um bicho sociável, a gente precisa do outro, então é claro que as redes sociais são perfeitas para suprir essas interações que muitas vezes nos faltam no dia a dia por N motivos.
acredite também: não há problema algum em ficar deslizando o dedo consumindo vídeos, rindo de memes, vendo stories e curtindo fotos alheias. não há problema em saber o que a virgínia faz ou deixa de fazer ou se o cantor luan pereira fez um pronunciamento muito dramático sobre os memes que fazem sobre ele.
o problema tá quando você não faz nada além disso. no fim, relação com a internet é sobre escolha, e cada um precisa descobrir como usá-la da maneira que faça sentido.
é do brasileiro se entreter e “se alienar”. nós adoramos um reality show e uma novela, a diferença agora é que mudamos o tamanho da tela. a televisão é grande demais para ficar andando com ela por aí, mas até hoje algumas pessoas tem uma TV na sala, nos quartos e na cozinha – e nós carregamos o entretenimento para fora de casa.

eu não sou a melhor para fazer uma crítica ao uso de internet. na semana passada eu tive um tempo total de uso de 64h24min, sendo 25h só de redes sociais — dividido entre o google, instagram, twitter, tiktok e whatsapp. nessa exata ordem.
e eu pensei em vir aqui e justificar essas horas de uso, as coisas que consumo em todos esses lugares e falar que não são coisas supérfluas, mas a verdade é que ninguém tá se importando.
eu não sou melhor e nem pior do que a pessoa que fica menos de 10h semanais no celular — até porque essa pessoa provavelmente tem um poder aquisitivo bem maior que o meu para ficar se entretendo com tantas outras coisas enquanto, assim como a maioria das pessoas, meu refúgio tá aqui.
por mais que eu esteja numa luta constante para usar menos o celular e melhorar minha relação com o meu trabalho, eu não vou vir aqui e falar sobre isso como se fosse algo revolucionário, e nem ninguém deveria fazer isso.
do que adianta eu deletar tudo, se depois de um tempo eu vou voltar e publicar sobre esperando uma validação externa de como eu “fiz bem” e fui “uma guerreira” por ter passado X dias longe. que vergonheira.
e outra: eu adoro postar nas redes sociais, adoro ver coisas consideradas fúteis e me divertir com os memes.
a vida consegue ser difícil demais as vezes para gente se privar dessas coisas, só use com moderação e tá tudo certo.
eu gosto muito desse assunto e acho que você escreveu super bem sobre! finalmente um ponto de vista diferente sobre isso tudo.
eu já vi vários vídeos no youtube de pessoas que passaram dias, meses, anos sem redes sociais e aí voltaram contando as experiências vivendo a vida real e é impressionante como a maioria desses vídeos acabam caindo em um moralismo disfarçado. é tipo: ah por quê você não larga o celular e vai ler um livro? fazer um esporte? dar uma volta no quarteirão?
sem falar que, como você escreveu, não é tão simples e barato ter um outro entretenimento além do celular hoje em dia para muitas pessoas. eu mesmo não tenho como sair da minha casa e dar uma volta no quarteirão porque minha rua não tem estrutura para isso.
acho que o correto é mudar a relação com a internet ao invés de ficar fugindo de algo que tá cada vez mais difícil de viver sem.
Primeiro texto seu que li e amei!
E ASSISTINDO SVU: ARRASOU AMG!
Penso muito nesse lugar de vitimização que as pessoas querem ocupar quando se trata de rede social ao invés de assumir a responsabilidade pelo uso. Muita gente que eu conheço, inclusive, não quer se responsabilizar pelo vício. Tipo, você por acaso vê um viciado em cigarro dizendo que só vai se livrar do vício se as empresas de nicotina pararem de produzir? Não, né? Não é fácil vencer um vício, mas querer tercerizar a responsabilidade da SUA VIDA pra uma coisa que nem existe no mundo físico tangível é DEMAIS.