as pessoas não estão ficando burras, elas já estão
os dias passam e está cada vez mais complicado lidar com gente
ninguém mais sabe se portar em público ou interpretar uma frase. você pode desenhar, fazer mímica, entregar um vídeo tutorial mastigado que ainda assim não vão entender. já percebeu quantas pessoas não conseguem mais captar nuances e contextos? ninguém mais se esforça para tal.
e não estou me excluindo desses problema. posso muito bem estar falando de mim e, com todo respeito, de você também. não quero ofender, juro, mas quem sabe você, assim como eu, está emburrecendo.

tudo e nada ao mesmo tempo
seres humanos não foram feitos para a quantidade absurda de estímulos que recebem. ponto.
evoluímos, claro, mas seguimos sendo bichos simples e de baixa manutenção (apesar do capitalismo dizer o contrário). não fomos programados para absorver, em cinco minutos, uma thread sobre a política do oriente médio, uma fofoca de subcelebridade e o vídeo de IA do canguru sendo proibido de entrar no avião — que surgiu no meu twitter junto do tal “programa da marisa maiô”, outra atrocidade inventada pela inteligência artificial.
honestamente, acho que nossa mente nem consegue conceber o quão grande é o mundo e como é completa loucura termos acesso, com tanta facilidade, ao que acontece do outro lado dele.
a pessoa burra é aquela considerada tola, estúpida, de baixa inteligência. eu não acho que nós — eu e você — sejamos burros nesse sentido óbvio da palavra, mas nosso cérebro está atrofiando mesmo que sem querer. os dias passam rápido ou lentos demais, a fadiga parece ser uma segunda pele. eu, como outras pessoas, reclamo que estou cansada de estar cansada e não tenho energia para fazer diferente.
antes de dormir, a cabeça não desliga. a procrastinação ganha níveis absurdos ao mesmo tempo que divide espaço com a ansiedade permanente de que “tem alguma coisa que eu devia estar fazendo”. no trabalho, a rotina cansa e nada que eu faço parece fazer sentido; dá vontade de jogar tudo pro alto.
tudo isso que mencionei são sintomas de sobrecarga. muita gente gosta de chamar de burnout, que nada mais é que a consequência final e direta da direção que estamos seguindo.
a história tem um vilão e não é só o ChatGPT
antes de tudo, vamos conversar: passar tempo no substack ou em qualquer outra rede social lendo artigos é tão consumo descontrolado quanto ficar no twitter, tiktok ou youtube. acho que podemos concordar nisso sem maiores problemas. sei que muita gente gosta de se sentir superior falando ah, nem uso mais essas redes… mas assim…
que folga genuína você tá dando pro seu cérebro? pense nisso.
voltando: foi consumindo descontroladamente o substack que me deparei com:
em tradução barata feita por mim: a IA não criou o problema, apenas expôs o quão vazio alguns de nossos sistemas se tornaram. quando performance é superior ao aprendizado, colar se torna uma resposta racional.
“estudantes não estão colando por que a IA facilitou, eles estão colando porque, por gerações, nós os ensinamos que notas valem mais que conhecimento.”
e não é que faz sentido? a gente tá sempre numa constante de entrega, com inúmeras demandas de trabalho e/ou faculdade e prazos finais apertados, claro que vamos querer facilitar a vida. quantidade supera qualidade faz anos.
de volta no assunto do outro texto: não é o que você consome, mas como consome. o vilão da história, para além de um sistema que nem preciso mencionar, somos nós mesmos. as redes sociais se tornaram vilãs pois nós as fizemos assim. disse isso lá e repito aqui.
se você não consegue fazer mais nada sem dar aquela passadinha no chat ‘só para garantir’, a culpa é sua. sinto informar.
com esses hábitos ‘inofensivos’, morre nossa habilidade crítica e a criativa. pessoas chegam no chat e pedem pra explicar algo ‘como se fosse para uma criança de 7 anos’ sem nem antes tentar por conta própria. tampouco se dão conta que estão diminuindo a própria capacidade cognitiva; você está mais perto dos 30 do que dos 7 anos!
e eu reforço: não estou isenta do problema. mesmo me policiando no uso, me vejo alimentando o algoritmo de uma forma ou de outra; seja por necessidade de trabalho ou ajuda em projetos pessoais quando estou empacada e em sinto completamente sem saída.
será que dá pra dizer que existe ‘forma saudável’ de usar a IA ou seria isso um enorme absurdo? pensando que não conseguimos mais fugir dela em sua totalidade (com todas as empresas a enfiando goela abaixo), será possível encontrar um meio-termo? fico pensando.
todos os sinais estavam ali…
aconteceu numa sessão de it - capítulo dois, em 2019.
eu estava com o meu melhor amigo e o que era pra ser divertido (já que ele é extremamente medroso), virou um show de horrores por todos os motivos errados. perto de nós, sentou um grupo de adolescentes extremamente barulhentas. usavam o celular, falavam extremamente alto e batiam fotos da tela com o flash. até gritavam “ele é meu namorado!” para um dos atores quando o mesmo aparecia na tela. que inferno.
se o tiktok estivesse consolidado como hoje, com certeza elas teriam colocado algum edit ao som de father figure - george michael para rodar. naquela época, julguei que elas eram minoria, apenas um grupo sem-noção — eu não poderia estar mais errada; aquilo ali era o prelúdio da atualidade.
o que mais se vê nas salas de cinema, ou qualquer outro ambiente social, sejamos honestos, são pessoas assim. estamos em uma fase em que o próprio adulto dá mais dor de cabeça do que uma criança (porque criança a gente releva, estão aprendendo as regras básicas de convivência).
ainda digo mais: todas as habilidades sociais básicas estão indo para o ralo. não é particularidade dos adultos, os neurônios nem tentam mais trabalhar na cabeça de ninguém.
pode pegar a próxima geração, juntar com uma pá e jogar numa vala
vocês ficaram sabendo das crianças que falam sem completar as frases? o fenômeno começou a ser percebido há um tempo. elas imitam os cortes secos que vemos em vídeos na internet.
além disso, as crianças não estão mais desenvolvendo a escrita. conheço algumas que não sabem escrever de letra cursiva, coisa que na minha época era obrigatório e a professora não aceitava escrever de letra "de fôrma" — coisa que também não estão sabendo mais. já viram quantos não conseguem escrever em cima da linha?!! é de chorar.
esses pequenos detalhes são sintomas de ter crescido num mundo digital. os pais, também alienados pela praticidade de um teclado e vida online, tampouco incentivam os filhos a serem diferentes. e eu sei que podemos entrar em toda uma conversa sobre como pais talvez não tenham tempo e etc., mas poxa… você não se preocupa que sua criança faz parte de algo que vem sendo chamado de “geração zumbi”?
e o pior ainda é que, ok, são da geração digital, mas não sabem usar o computador, por exemplo. não sabem nem digitar num teclado que não seja aquele que caiba na palma da mão ou usar um mouse/mousepad. peça para pesquisarem algo no google e ficarão perdidos, pois só usam o pesquisar do tiktok. segurar uma caneta ou lápis? até problemas na coordenação motora estão estão tendo.
é tudo uma desgraça.
todo dia sai um malandro e um otário de casa e a gente finge que não é o otário.
olhe, nada do que eu mencionei aqui é uma falha pessoal minha ou sua. é nítido que existe projeto muito bem estruturado, sustentado e, sobretudo, lucrativo. parabéns, venceram de novo! a gente sabe que esse vício é real, silencioso e altamente perigoso.
é foguinho para deixar vivo no tiktok, a maioria dos vídeos são pop-up, então continuam rodando mesmo ao trocar de app. tudo é uma armadilha para deixar você preso, consumindo conteúdos que coçam as partes certas do seu cérebro e fazem você querer gastar dinheiro. parece até piada do quão simples a fórmula é.
e esse emburrecimento, essa preguiça de ler, de interpretar, de por a cabeça pra funcionar de fato, favorece um grupo tinhoso, que, com perdão das palavras, tem neurônios tão atrofiados quanto os nossos estão ficando.
lembrem: pessoas que não pensam são fáceis de manipular.
em uma das frases de umberto eco, escritor e filósofo italiano, ele diz:
as redes sociais dão o direito de falar a uma legião de idiotas que antes só falavam em um bar depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a humanidade. então, eram rapidamente silenciados, mas, agora, têm o mesmo direito de falar que um ganhador do prêmio nobel. é a invasão dos imbecis.
ele está errado? claro que não. realmente é a invasão dos imbecis.
não é à toa que estamos cansados
a gente cresce ouvindo que o conhecimento liberta, mas ninguém avisa que informação descontrolada escraviza.
no cenário atual, as habilidades mais básicas viram superpoderes. nas vagas de emprego, procura-se quem tem a tal soft-skill, que nada mais é que um termo em inglês para “habilidade comportamental”, coisa que no meu entender deveria ser algo que vem de fábrica: você cresce e aprende a se comportar em sociedade.
por mais que, talvez, não há ninguém para pegar na sua mão e ensinar o que você deve ou não deve fazer, não deveria ser difícil compreender as regras implícita como: não interromper a fala de outra pessoa, não mastigar de boca aberta, não falar alto em ambientes silenciosos, cumprimentar os outros, respeitar diferenças.
eu, genuinamente, sinto que estamos num ponto de não retorno. talvez não tenha mais salvação.
se as máquinas se rebelarem ao adquirirem o que estamos perdendo (a consciência), que lembrem: eu sempre disse por favor e obrigada.
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Esse texto foi escrito por mim sim porque você invadiu o meu cérebro, pegou todos os meus pensamentos e colocou no papel. Meu Deus eu nunca concordei tanto com algo na minha vida!!!!
E no fim nos sentimos culpados por não saber como "voltar a trás'' sobre algo que não sabemos se temos retorno.